
Potências da Baixada – “O que a Baixada Fluminense representa pra mim?”
A Baixada Fluminense ocupa o território que está no norte da Cidade do Rio de Janeiro, formada pelos municípios de Belford Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, Itaguaí, Japeri, Magé, Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados, São João de Meriti, e Seropédica.
Territorialmente, a Baixada teve um crescimento acelerado a partir da década de 30, após a construção das rodovias Presidente Dutra e Washington Luís. A partir de processos de gentrificação e migração, e através das ocupações desses territórios e consequente expansão, alguns distritos foram divididos em municípios.
A Baixada Fluminense pode ser caracterizada como um território violentado, pois apresenta índices elevados de violência, precarização de saneamento básico e acessos a direitos básicos. Belford Roxo tem apenas 2,6% de esgoto tratado em relação ao volume de água consumida. Em São João de Meriti, o índice é de 0%. De acordo com a plataforma Fogo Cruzado, 36% dos baleados no Grande Rio foram atingidos na região.
No dia 30 de abril é celebrado o Dia da Baixada Fluminense, com o objetivo de realçar as ações propositivas de mudanças sociais para a retirada da Baixada Fluminense dos cenários de vulnerabilidade, buscando a emancipação e autonomia da população, através da valorização territorial e desenvolvimento local.
Em 2021, a Unidade Duque de Caxias realizou o evento “Sesc Mobiliza Jovem: Mobilidade, Direito à cidade e Direitos Humanos”, discutindo estratégias de soluções urbanas a partir da perspectiva de jovens que estão modificando seus territórios através do resgate da autoestima territorial.
Para o ano de 2022, realizamos uma entrevista com três potências da Baixada Fluminense que trabalham o empoderamento territorial, ou seja: desenvolvimento local através de ações nas áreas de comunicação comunitária, educação, assistência comunitária, saúde e lazer: Patrick Lima, Gabriela Anastácia e João Paulo Ovídio.
POTÊNCIAS DA BAIXADA – CONFIRA
QUEM É VOCÊ? Sou Patrick Lima, tenho 23 anos de idade, e sou morador de Japeri, na Baixada Fluminense. Sou escritor do Site Japeri Online e Coordenador de Comunicação do Grupo Código. Sempre fui encantado pela possibilidade de me expressar através da escrita e com uma câmera na mão –muito devido à minha timidez, que só foi superada há pouco tempo. Foi transformador. Nessa busca por encontrar meios para me expressar e exorcizar tudo aquilo que me incomodava, encontrei na arte um caminho e desde então estou inserido nessa área, principalmente com teatro. Já me aventurei em algumas participações nos palcos, mas onde realmente me sinto confortável é atrás das câmeras. Em 2017 foi quando me vi pela primeira vez fazendo um trabalho voltado para o território na linguagem do cinema, com o documentário “O Negro em Japeri”, que escrevi o roteiro, dirigi e produzi. Foi um processo de muito aprendizado, no qual contei com os conselhos da atriz, e na época minha professora, Juliana França, para construir a narrativa da melhor forma possível e não invadir um local de fala que não me pertencia.
QUEM É VOCÊ? Meu nome é João Paulo Ovidio, tenho 27 anos, moro em Duque de Caxias e sou um profissional da cultura. Atuo como historiador da arte, curador independente, produtor de conteúdo, educador musical e professor de artes. Sou editor-chefe da Revista Desvio (@revistadesvio), curador do projeto Arte como trabalho (@artecomotrabalho) e idealizador da Lupa da Periferia (@lupa.da.periferia).
QUEM É VOCÊ? Gabriela Anastácia, jornalista, mãe e empreendedora (não necessariamente nessa ordem). Cria da Baixada Fluminense, CEO da agência Gamarc Comunicação e, em 2016, após a maternidade, criei o movimento de impacto social Papo de Empreendedora (@papodeempreendedora) para democratizar o acesso à educação empreendedora para mulheres.
Qual a importância da Baixada na sua trajetória?
PATRICK LIMA – A Baixada Fluminense é minha casa, é onde me sinto abraçado e encontro as potências que me movem. Não sei explicar, mas há uma diferença gritante entre trabalhar nessa região e outras fora daqui. Como dizem, nenhum lugar é melhor do que nossa casa.
E, nessa busca por me encontrar, acabei conhecendo pessoas incríveis que me levaram a descobrir outros lugares da Baixada, principalmente pelo contato com grupos artísticos. A relação do Código com a Rede Baixada em Cena me possibilitou esses encontros.
A Baixada, mais precisamente Japeri, é a minha escola e me deu a compreensão do mundo, a parte boa, mas também as injustiças sociais. Faço disso minha força e não deixo que a narrativa da pobreza e violência, que a grande mídia adora, pegue. Foco nos artistas, pois em seus corpos, vozes e até nos seus momentos de silêncio, podemos encontrar a verdadeira Baixada, a Baixada que queremos narrar.
E é por esses motivos que estou produzindo meu segundo documentário, que estreia mês que vem, chamado “Onde nasce a arte em Japeri?”. No filme, investiguei como é viver de arte em uma cidade onde o artístico não floresce sem os esforços dos próprios artistas, que se unem para construir seus trabalhos, visto que o poder público na maioria das vezes fecha os olhos. Quais as motivações, ideais e buscas desses agentes que não se deixam vergar pela escassez de investimentos no setor cultural, pelo desinteresse muitas vezes dos seus próprios conterrâneos e os entraves para se atingir pessoas e lugares?
Mais do que saber qual cultura nasce e é cultivada em Japeri, o filme busca entender de onde vem sua força, o desejo intenso de cultivar em terras quase sempre áridas. Além dos palcos, praças, bares, trens e outros locais transformados em ambiente fértil param se perpetuar a arte, o filme média-metragem investiga o íntimo de cada uma dessas pessoas para conhecer o que elas acreditam ser a vida e como a arte perpassa suas existências e resistências.
JOÃO PAULO OVÍDIO – A Baixada Fluminense sempre esteve presente no meu discurso, sobretudo para a defesa, valorização e crítica às artes visuais. A defesa por equipamentos culturais, pelo direito de expor e pelos interesses da classe artística. A valorização da produção, dos profissionais e da nossa história.
A partir de 2019, o território se tornou uma questão mais presente no meu trabalho, servindo como exemplo a curadoria da mostra “Artes Aquáticas – Verão em Queimados”. Desde então, dei início a um levantamento de artistas, locais e exposições que me permitem não só compreender, como também escrever uma história da arte local. Ingressar na especialização de Linguagens Artísticas, Cultura e Educação da IFRJ – Campus Nilópolis foi um passo importante para dar forma à pesquisa que venho desenvolvendo nos últimos anos.
Indiretamente, o território da Baixada Fluminense foi importante para que eu pudesse descolonizar o olhar, isto é, questionar o sistema da arte hegemônica, voltando a atenção para as potências que aqui existem. A vivência nesse lugar faz parte da minha identidade, de quem eu sou. Por isso, se eu proponho ações para o território é na esperança de construir aqui um lugar melhor, é um retorno para sociedade – e acredito que todos devam fazer o mesmo. Cada um colabora como pode, com sua disponibilidade, expertise e/ou apoio. Sem articulação, não avançamos, não conquistamos, não edificamos, não somos nada. Profissionais da cultura da Baixada Fluminense, uni-vos!
GABRIELA ANASTÁCIA – Sou feliz e grata pelo “meu lugar”. Levou quase três décadas para eu enxergar o quanto de potência existe na Baixada Fluminense. Reconheço que a região precisa cada vez mais de visibilidade para que as políticas públicas sejam implementadas e, de fato, atinjam a população da Baixada – não apenas como fachada eleitoral.
Aqui é o onde cresci e decidi criar meu filho, mostrando sempre que existe um mundo inteiro para ele desbravar, mas antes precisa conhecer muito bem suas raízes e o quanto de potência existe na região onde ele mora.
A partir dessas três narrativas conseguimos enxergar através dos olhares de vulnerabilidades e entendemos que a Baixada Fluminense é um território cheio de possibilidades, oportunidades e certezas.
Vamos ampliar nossos olhares para a Baixada Fluminense e produzir cada vez mais ações que valorizem suas histórias e suas potências.
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